Quase sete meses depois de terem prestado auxílio às vítimas dos atentados de 13 de Novembro em Paris, três porteiros portugueses e uma luso-descendente vão ser condecorados com os graus de Dama/Cavaleiro da Ordem da Liberdade no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em Paris.
Margarida dos Santos Sousa, de 57 anos, disse à Lusa ficar "feliz por receber uma medalha pelo presidente português", sublinhando que "com ou sem medalha" continua sempre a mesma pessoa e com vontade de ajudar os outros.
No dia do ataque que matou 90 pessoas no Bataclan, a portuguesa não hesitou em abrir as portas de casa e do prédio aos sobreviventes, tendo sido aclamada pela imprensa como uma das heroínas daquela noite.
"Claro que abrimos as portas e elas entraram e vinham num terror completo. Tentaram esconder-se e queriam que apagássemos as luzes e fechássemos as cortinas que era para se poderem esconder. Uma acabou por se esconder debaixo da mesa com medo. Depois, chegou outra com duas balas nas costas que deitámos no meu sofá e uma médica veio ajudar até chegarem os bombeiros e tomarem conta dela", descreveu.
Em conversa com a Lusa, mais de meio ano depois, Margarida recordou o que parecia "uma guerra autêntica lá fora", com "as pessoas a gritarem, a pedirem auxílio, os médicos e os bombeiros a tentar fazer tudo o que podiam".
Há 35 anos em França e há 28 no bairro do Bataclan, Margarida entrou pela primeira vez no Hôtel de Ville de Paris a 23 de Janeiro deste ano para receber a medalha de bronze da cidade por ter ajudado a socorrer as vítimas do ataque de 13 de Novembro de 2015.
Margarida não foi a única a receber essa distinção já que houve mais três nomes portugueses a ajudar as vítimas do Bataclan e que também vão ser distinguidos no Dia de Portugal: José Gonçalves, Manuela Gonçalves e Natália Teixeira-Syed.
José e Manuela moram há 26 anos no bairro do Bataclan, e, na noite de 13 de Novembro de 2015 não quiserem ficar entrincheirados dentro de casa e preferiram estar na linha da frente para ajudar quem precisava, apesar de inicialmente a polícia dar indicações para se protegerem dentro de portas.
"Chegou um momento em que veio uma polícia a bater muito forte na porta. ‘Pum, pum, pum’ e a dizer ‘Senhor Gonçalves, pode abrir a porta! E foi aí que abri a porta e que vi essas pessoas todas a entrar, havia mais de 80 pessoas. Entraram alguns a berrar, outros a chorar e o que me meteu impressão é que vinham com t-shirts cheias de sangue", contou à Lusa o português de 48 anos.
José Gonçalves chegou a filmar alguns segundos da multidão concentrada à frente de sua casa, mas não teve tempo para ser espectador porque toda a ajuda era necessária para auxiliar as vítimas.
"A maior parte das pessoas que estavam aqui eram jovens. Eu pensei logo nos meus filhos e gostava que fizessem a eles o que fiz aos outros. É normal, é humano, estamos aqui para nos ajudarmos uns aos outros, é lógico", acrescentou José, natural da Maia.
Dentro do seu estúdio, Manuela cuidava de uma jovem grávida, ferida com impactos de balas nas pernas, que não parava de perguntar pelo namorado depois de o ter perdido de vista quando foi feita refém no ataque.
"Ela, coitadinha, estava muito ferida. Ela esteve todo o tempo com os terroristas. Quando os terroristas entraram na sala, ela ia para sair e seguir o companheiro e os amigos e os terroristas puxaram-lhe pelo cabelo, apontaram-lhe as armas à cabeça e disseram-lhe ‘Daqui tu não sais." E ela pôs-se de joelhos e ficou lá até ao fim", contou Manuela, de 50 anos, natural de Fafe.
Na mesma rua, Natália Teixeira Syed, lusodescendente, e o marido Gabriel, paquistanês, também abriram os portões para deixar entrar os sobreviventes, alguns dos quais foram operados ali mesmo, no pátio em frente a casa, o qual parecia "um campo de guerra" com "sangue por todo o lado, sapatilhas, calças de ganga, roupa cortada, seringas, papel…".
"Houve quatro operações aqui em frente de casa. Uma [pessoa] morreu logo que chegou. Uma outra abalou daqui mas não temos a certeza se sobreviveu e duas outras vítimas abalaram daqui e estavam mais ou menos estabilizadas", recordou, explicando que "fez o que pôde" para ajudar, desde dar "garrafas de água, cafés, cobertores, falar com as pessoas" e dar "muitos mimos e abraços".
Natália nasceu em Bondy, nos arredores de Paris, é filha de emigrantes de Ourém e casada com um muçulmano que se exilou em França por ter "a cabeça a prémio" no Paquistão por motivos políticos, lamentando, por isso, o aumento da islamofobia em França devido aos ataques que "nada têm a ver com a religião".
Agência Lusa
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